Educação financeira, adolescentes, cartão de crédito e começando a casa pelo telhado

A ideia da reportagem Educação financeira para jovens: cartão de crédito e o desenvolvimento saudável (cidadeverde) é a de que com o avanço das tecnologias e o aumento da digitalização dos serviços bancários, o uso de cartões de crédito por adolescentes tem se tornado uma prática cada vez mais comum. No passado eles eram de plástico, hoje conforme Byung-Chul Han (na obra Não coisas) são digitais. Perdem-se, portanto, os aspectos “terrenos” e ganham-se aspectos que privilegiam o digital. No mundo digital tudo é hiper: hiperativo, hiperinformacional e hipervisivel.

Para a reportagem a introdução de um cartão de crédito pode ser uma excelente oportunidade para ensinar adolescentes sobre a importância do planejamento financeiro, do controle de gastos e do entendimento das taxas e juros. Sem dúvida isso é fundamental para “construção’ de uma consciência sobre como agimos e reagimos com o dinheiro.

Mas aqui cabem algumas reflexões: a primeira delas é sobre o uso do crédito através do cartão de crédito e a segunda é sobre arriscar a própria pele (tema do professor Nassim Taleb).

Sobre o uso do cartão de crédito as evidências acadêmicas indicam que, de modo geral, nós não temos a sensação de que estamos gastando quando usamos o crédito. De outra forma, quando famílias americanas foram questionadas sobre os valores médios de gastos os pagamentos em espécie eram menores do que os pagamentos feitos através cartão de crédito. Esse comportamento também pode ser explicado pela “contabilidade mental”. Ou seja, ao contrário de perceber o todo, percebem-se as partes e no final do mês a fatura pode não ser compatível com o nível de renda.

Mais do que isso. Em meu ensaio Sociedade do fracasso e frustação (a ser publicado) descrevo que bolsas de cooperação, horas extras e plantões médicos são perdidos no ralo. O esforço é compensado por um maior consumo. Em algumas situações, o consumo é maior do que a própria renda extra (novamente uma ação definida pela contabilidade mental, porque a renda extra é extra e pode ser gasta, o que é péssimo na formação de poupança).

No processo de compra por crédito não é feito o registro adequado como é feito o registro em espécie. Possivelmente inadimplência à vista, mas, em se tratando de cartão de crédito, esse não pagamento acaba sendo considerado rotativo. Juros mais altos, quando comparado com outras opções de crédito.

Sobre a segunda reflexão, arriscar a própria pele, é sobre saber que esses jovens adolescentes poderão ter uma experiência não prazerosa sobre o uso do cartão de crédito. Assim, embora essa seja uma forma de aprendizado (na própria pele, talvez tenham que arcar com isso) existem outras formas que podem conduzir ao uso consciente do dinheiro.

Minha premissa, embora não tenha ficado claro na reportagem, é que esses adolescentes não dispõem de renda. Ou seja, são os pais que estão contribuindo para o pagamento das faturas. Então, outra alternativa ao cartão de crédito, seria uma conta digital. Nela, esses adolescentes poderão acompanhar suas mesadas.

Embora a reportagem traga uma narrativa que os cartões de crédito oferecem segurança, em caso de perda ou roubo, podendo ser bloqueados rapidamente além de serem monitorados pelos pais as contas digitais também podem além de serem gratuitas. Ou seja, é saber o que é melhor para seu filho adolescente.

Nada contra os cartões de crédito (só tenho a impressão que esses jovens estão começando a construir uma casa pelo telhado), mas aqui pra gente, nenhuma operadora de crédito irá te pedir para guardar seu cartão depois que você realizar sua compra tão sonhada. Ao contrário, sempre haverá algo novo para ser consumido.

Numa situação em que somos influenciados ao consumo (somos impulsivos, míopes, influenciados e não gostamos de perder) melhor não usar o crédito de imediato. Comece pela base (conta digital restringindo a opção do crédito) depois faça seu telhado (cartão de crédito).

Espero que tenham gostado.

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